Jussara Lucena, escritora

Contos

Verde que te quero ver

“(...) nem saberei   o  que me espera,
nem  que  rosário  de amargura,
nem se é inverno ou primavera."
Vasco Graça Moura,Valsa das Sombras

Eu o amava desde sempre. Mas foi somente ao voltar de férias à nossa cidade, que Tiago percebeu que eu existia. No último dia, telefonou convidando-me para jantar.
Fazia muito frio e eu saí às pressas para comprar um casaco novo. Teria de ser especial, muito especial. Um casaco que eu usaria apenas quando estivesse com ele.
- Lã inglesa, sinta o toque... – falou a vendedora, acariciando o casaco mais elegante que eu jamais vira. - Verde-profundo é o nome da cor. Bonita, não? A mesma dos seus olhos. E combina às maravilhas com seu cabelo ruivo! – acrescentou, entusiasmada.
Adorei meu casaco sete oitavos, verde-ilusão. Com certeza, Tiago me acharia linda.
Minutos antes do encontro, no entanto, ele ligou, desculpando-se. Por não lembro mais que problema de última hora, cancelava nosso jantar. Meu casaco verde-decepção foi para o armário.
Tiago somente voltou a me chamar no inverno seguinte, quando as férias chegavam ao fim. Dessa vez eu é que não pude aceitar o convite: convalescendo de uma pneumonia, nem pensar em sair de casa. Chorei de tristeza e frustração. E meu casaco verde-desalento continuou guardado.
Soube que voltou várias vezes à nossa cidade, mas nunca mais me procurou. 
  Muitos invernos se passaram. Demasiados invernos. Amei, desamei, ganhei, perdi, vivi, sobrevivi, sem jamais esquecer Tiago.


~

- Rita, quero muito falar contigo!
Ao reconhecer a voz ao telefone, meu coração quase parou. Era Tiago, dizendo que tivera notícias minhas por um amigo.
- Preciso te ver o quanto antes! – o tomera urgente.
Combinamos nos encontrar em duas horas, num café no centro da cidade.
Levei bastante tempo escolhendo a roupa e me pintei com capricho. De repente, enquanto ajeitava os cabelos, minha mão parou no ar.E se ele...? E se eu...?E se...Tantosses, tantas perguntas, caindo como gotas de chuva gelada apagaram minha alegria.
Era inverno outra vez. Fui buscar, na prateleira mais alta do guarda-roupa, meu jamais usado casaco verde, de cujo tom já nãotinha mais certeza.Porém, quando abri a caixa e retirei as folhas de papel de seda que o envolviam, descobri que estava todo roído pelas traças.
Meu casaco verde-obsessão foi para o lixo.
E Tiago me esperou em vão.



04/11/2014

 

 

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